quarta-feira, 25 de abril de 2018

ATENÇAO E CONSCIÊNCIA


Você pode ter achado difícil a tarefa precedente, mas não impossível. O que torna difícil essa tarefa, ainda que possível? A atenção é o fenômeno pelo qual processamos ativamente uma quantidade limitada de informações do enorme montante de informações disponíveis através de nossos sentidos, de nossas memórias armazenadas e de outros processos cognitivos. Por exemplo, apesar de lhe ser disponível a lembrança de onde dormia quando tinha 10 anos de idade, provavelmente não processou, muitas vezes, essa informação ativamente. De maneira semelhante, você geralmente dispõe de uma abundância de informações sensoriais (p. ex., em seu corpo e em sua visão periférica, neste preciso momento), mas presta atenção apenas a uma quantidade limitada das informações sensoriais disponíveis em um dado momento.

A atenção atua como um meio de focalizar recursos mentais limitados sobre a informação e os processos cognitivos que são mais evidentes em um dado momento.

Há muitas vantagens para a posse de processos de atenção de alguma espécie. Tanto as pessoas leigas quanto os psicólogos cognitivos reconhecem que existem pelo menos alguns limites aos nossos recursos mentais e que há limites para a quantidade de informações nas quais podemos concentrar esses recursos mentais em qualquer tempo. O fenômeno psicológico da atenção possibilita-nos o uso criterioso de nossos limitados recursos mentais. Obscurecendo as luzes sobre muitos estímulos externos (sensações) e internos (pensamentos e memórias), podemos realçar os estímulos que nos interessam. Esse foco aumentado amplia a probabilidade de que possamos responder rápida e corretamente aos estímulos interessantes. A atenção elevada também abre o caminho para os processos de memória, de modo que sejamos mais capazes de evocar a informação à qual prestamos atenção do que a informação que ignoramos.


Antigamente, os psicólogos acreditavam que a atenção era a mesma coisa que a consciência, o fenômeno pelo qual não apenas processamos ativamente a informação, mas também estamos conscientes disso. Agora, entretanto, os psicólogos reconhecem que algum processamento ativo da informação sensorial, da informação evocada e da informação cognitiva prossegue sem nosso conhecimento consciente. Por exemplo, nesta época de sua vida, escrever seu nome não exige qualquer conhecimento consciente e você pode escrevê-lo enquanto envolvido conscientemente em outras atividades - embora não, se você estiver completamente inconsciente.

Os benefícios da atenção são particularmente evidentes quando nos referimos aos processos de atenção consciente. Além do valor geral da atenção, a atenção consciente satisfaz outros três objetivos: (1) monitorizar nossas interações com o ambiente, mantendo nossa consciência de quão bem estamos nos adaptando à situação na qual nos encontramos; (2) ligar nosso passado (memórias) e nosso presente (sensações) para dar-nos um sentido de continuidade da experiência, que pode até servir como a base para a identidade pessoal; e (3) controlar e planejar nossas futuras ações, com base na informação da monitorização e das ligações entre as memórias passadas e as sensações presentes.

FUNÇÕES DA ATENÇÃO

As quatro funções principais da atenção são: (1) atenção seletiva, na qual escolhemos prestar atenção a alguns estímulos e ignorar outros; (2) vigilância, na qual esperamos atentamente detectar o aparecimento de um estímulo específico; (3) sondagem, na qual procuramos ativamente estímulos particulares; e (4) atenção dividida, na qual distribuímos nossos recursos de atenção disponíveis para coordenar nosso desempenho de mais de uma tarefa ao mesmo tempo.

Essas quatro funções estão resumidas na Tabela 3.4. Cada uma delas tem sido estudada pelos psicólogos cognitivos, para obter uma ampla compreensão da atenção a partir de posições vantajosas.

TABELA 3.4 As Quatro Funções Principais da Atenção 
Os psicólogos cognitivos têm-se interessado particularmente pelo estudo da atenção seletiva, da vigilância, da sondagem e da atenção dividida.



FUNÇÃO
DESCRIÇAO
EXEMPLO
Atenção seletiva
Estamos constantemente fazendo escolhas com relação aos estímulos aos quais prestaremos atenção e aos estímulos que ignoraremos. Ignorando alguns estímulos ou, no mínimo, diminuindo a ênfase sobre eles, assim focalizamos os estímulos essencialmente notáveis. O foco de atenção concentrado em estímulos informativos específicos aumenta nossa capacidade para manipular aqueles estímulos para outros processos cognitivos, como a compreensão verbal ou a resolução de problemas.
Podemos prestar atenção à leitura de um livro-texto ou à escuta de uma conferência, ao mesmo tempo em que ignoramos estímulos, tais como um rádio ou um televisor próximos ou retardatários para a conferência.
Vigilância e detecção de sinal
Em muitas ocasiões, tentamos vigilantemente detectar se percebemos ou não um sinal, um determinado estímulo-alvo de interesse. Através da atenção vigilante para detectar sinais, estamos primed para agir rapidamente quando detectamos os estímulos sinais.
Em uma exploração submarina, podemos ficar alertas quanto a sinais incomuns de sonar; em uma rua escura, podemos tentar detectar cenas ou sons indesejáveis; ou após um terremoto, podemos ser cuidadosos quanto ao cheiro de vazamento de gás ou de fumaça.
Sondagem
Freqüentemente envolvemo-nos em uma ativa sondagem quanto a estímulos específicos.
Se detectamos fumaça (em conseqüência à nossa vigilância), podemos envolver-nos em uma ativa sondagem quanto à origem da fumaça; além disso, alguns de nós estão constantemente à procura de chaves, de óculos escuros e de outros objetos perdidos; meu filho adolescente muitas vezes “procura” itens perdidos no refrigerador (freqüentemente sem muito sucesso - até que alguém os mostre a ele).
Atenção dividida
Freqüentemente, conseguimos engajar-nos em mais de uma tarefa ao mesmo tempo e deslocamos nossos recursos de atenção para distribuí-los prudentemente, conforme necessário.
Motoristas experientes podem conversar facilmente enquanto dirigem, sob a maioria das circunstâncias, mas se outro veículo parece estar vindo em direção ao seu carro eles rapidamente deslocam toda a sua atenção da conversa para o ato de dirigir.


Atenção Seletiva 

Suponha que você está em um jantar. É decididamente seu destino estar sentado próximo a alguém que vende 110 tipos de aspiradores de pó e descreve-lhe, em penosos detalhes, os méritos relativos de cada tipo. Ao mesmo tempo que está falando com esse tagarela, que acontece de estar à sua direita, você se dá conta da conversa entre dois convivas sentados à sua esquerda. Seu diálogo é muito mais interessante, especialmente porque contém informações picantes que você não sabia sobre um de seus conhecidos. Você se vê tentando manter a aparência de uma conversação com o linguarudo à sua direita, ao mesmo tempo que sintoniza o diálogo à sua esquerda. A vinheta anterior descreve um experimento naturalista sobre seleção seletiva, que inspirou a pesquisa de Colin Cherry (1953). Cherry referiu-se a esse fenômeno como o problema do coquetel, baseado em sua observação de que os coquetéis frequentemente são ambientes onde a atenção seletiva é notável, como no exemplo precedente.

Cherry não compareceu, realmente, a inúmeros coquetéis para estudar as conversações, mas, mais exatamente, estudou a atenção seletiva em um ambiente experimental controlado mais cuidadosamente. Ele planejou uma tarefa conhecida como espionagem, na qual você escuta duas mensagens diferentes e é solicitado a repetir apenas uma delas, logo que possível, após ouvi-la. Em outras palavras, você deve seguir uma mensagem (pense num detetive “espionando” um suspeito), mas não prestar atenção à outra. Para algumas pessoas, ele utilizou uma apresentação biauricular (do latim, bi-, “ambos”, -auriculare, relacionado aos ouvidos), na qual apresentou as mesmas duas mensagens (ou, às vezes, apenas uma delas) a ambos os ouvidos, simultaneamente. Para outra, usou uma apresentação dicótica (do grego, dich-, “em duas partes”; -otikós, relativo aos ouvidos), significando que apresentou uma mensagem diferente a cada ouvido.

As pessoas de Cherry acharam praticamente impossível seguir apenas uma mensagem, durante a apresentação simultânea biauricular de duas mensagens diferentes. Elas “espionaram” com muito mais eficiência as mensagens diferentes em tarefas de escuta dicótica e, nessas tarefas, seguiram de perto as mensagens com completa exatidão na maioria dos casos. Durante a escuta dicótica, as pessoas também eram capazes de notar variações físicas e sensoriais na mensagem ignorada, tais como quando a mensagem mudava de tom ou a voz mudava de um locutor masculino para um feminino. Entretanto, elas não prestavam atenção a mudanças semânticas na mensagem ignorada, deixando de observar até quando essa mensagem mudava para o inglês ou o alemão ou era executada de trás para diante.

Se você considera a possibilidade de estar em um coquetel ou em um restaurante barulhento, três fatores ajudam-no a atender seletivamente apenas à mensagem do locutor designado (ao qual você quer escutar): (1) as características sensoriais distintivas da fala deste locutor (p. ex., som alto vs. baixo, rapidez, ritmo), (2) intensidade do som (sonoridade) e (3) localização da fonte sonora. Prestando atenção às propriedades físicas da voz do locutor designado, você pode evitar ser perturbado pelo conteúdo semântico das mensagens dos locutores não-designados na área. Evidentemente, a intensidade sonora da mensagem-alvo também ajuda. Além disso, provavelmente você pode usar intuitivamente uma estratégia para localizar os sons, o que transforma uma tarefa biauricular em uma dicótica: você se coloca em uma posição tal que um dos ouvidos fique voltado para o locutor designado e o outro se afaste deste. (Observe que esse método não oferece maior intensidade sonora total, pois, com um ouvido mais próximo ao locutor, o outro está mais afastado dele. A vantagem principal é que a diferença de volume permite-lhe localizar a fonte do som designado).

Vigilância e Detecção de Sinal 

A atenção seletiva não é o único fenômeno estudado pelos cientistas interessados na atenção. Outro fenômeno de atenção especialmente de grande importância prática é a vigilância. A vigilância refere-se à capacidade de uma pessoa estar presente em um campo de estimulação durante um período prolongado, no qual ela procura detectar o aparecimento de um sinal, um estímulo-alvo de específico interesse. Quando vigilante, a pessoa espera atentamente detectar um estímulo-sinal que pode surgir num tempo desconhecido. Tipicamente, a vigilância é necessária em ambientes nos quais um dado estímulo ocorre apenas raramente, mas exige imediata atenção assim que ocorre.
Por exemplo, um salva-vidas em uma praia movimentada tem de estar sempre vigilante. De modo semelhante, se você sempre viajou de avião, você compreende a importância prática de que seu controlador de tráfego aéreo seja altamente vigilante. Muitas outras ocupações exigem vigilância, como as que envolvem alguma quantidade de sistemas de comunicações e advertências, bem como o controle de qualidade em quase todos os ambientes. Até o trabalho dos investigadores policiais, dos médicos e dos psicólogos pesquisadores exige vigilância. Em cada um desses ambientes, as pessoas têm de permanecer alertas, para detectarem o surgimento inicial de um estimulo, a despeito dos períodos prolongados durante os quais o estímulo está ausente.

Sondagem 

Enquanto a vigilância envolve passivamente a espera de que um estímulo-sinal apareça, a sondagem envolve ativamente a procura de um estímulo. Especificamente, a sondagem refere-se a um exame atento do ambiente quanto a aspectos específicos — procurar algo ativamente, embora você não esteja convicto de que isso aparecerá. Tentar localizar uma determinada marca de cereal em uma ala abarrotada do supermercado — ou um termo-chave específico em um livro-texto repleto — é um exemplo de sondagem. Do mesmo modo que com a vigilância, quando estamos sondando algo, podemos responder por meio de alarmes falsos. No caso da sondagem, estes últimos surgem geralmente quando encontramos distraidores (estímulos não-designados que desviam nossa atenção para longe do estímulo-alvo), no momento da procura pelo estímulo-alvo. Por exemplo, quando sondando no supermercado, podemos ver diversos itens distraidores que se assemelham um pouco ao item que esperamos encontrar.

ATENÇÃO E PERCEPÇÃO 

Antes de encerrar esta argumentação e começar um exame da percepção, é útil apresentar o ponto de vista de um psicólogo cognitivo sobre como interagem a consciência e a percepção. Anthony Marcel (1983a) propôs um modelo para descrever como as sensações e os processos cognitivos que ocorrem fora do nosso conhecimento consciente podem influenciar nossas percepções e nossas cognições conscientes. Segundo Marcel, nossas representações conscientes do que percebemos frequentemente diferem qualitativamente de nossas representações não-conscientes dos estímulos sensoriais. Externamente ao conhecimento consciente, tentamos continuamente compreender um fluxo constante de informações sensoriais. Também fora do conhecimento, ocorrem hipóteses perceptivas no tocante a como as informações sensoriais presentes correspondem a várias características e objetos que encontramos anteriormente em nosso ambiente. Essas hipóteses são inferências baseadas no conhecimento armazenado na memória a longo prazo. Durante o processo de comparação, são integradas as informações provenientes de diferentes modalidades sensoriais.
De acordo com o modelo de Marcel, uma vez que haja uma correspondência adequada entre os dados sensoriais e as hipóteses perceptivas quanto a várias características e a vários objetos, essa correspondência é transmitida ao conhecimento consciente como “sendo” características e objetos particulares. Conscientemente, conhecemos apenas os objetos ou as características transmitidos; não temos consciência dos dados sensoriais, das hipóteses perceptivas que não levam a uma correspondência ou ainda dos processos que comandam a correspondência transmitida. Assim, antes de um dado objeto ou característica ser detectado conscientemente (i. e., ser comunicado ao conhecimento consciente pelo processo de comparação não-consciente), teremos escolhido uma hipótese perceptiva satisfatória e excluído várias possibilidades que comparavam menos satisfatoriamente os dados sensoriais entrantes ao que já conhecemos ou podemos inferir.
Segundo o modelo de Marcel, os dados sensoriais e as hipóteses perceptivas são acessíveis aos vários processos cognitivos não-conscientes, sendo utilizados por eles, além do processo de correspondência. Os dados sensoriais e os processos cognitivos que não atingem a consciência ainda assim influem sobre o modo como pensamos e como realizamos outras tarefas cognitivas. Sustenta-se amplamente que temos capacidade limitada de atenção (p. ex., ver Norman, 1976). Conforme Marcel, conciliamos essas limitações servindo-nos da informação e dos processos não-conscientes tanto quanto possível, ao mesmo tempo em que limitamos a informação e o processamento que ingressa em nosso conhecimento consciente. Deste modo, nossa capacidade atentiva limitada não é sobrecarregada constantemente. Assim, “tentamos compreender tantos dados quantos possíveis, em um nível mais útil”. Por conseguinte, nossos processos atentivos estão intima-mente entrelaçados com nossos processos perceptivos. Neste capítulo, descrevemos muitas funções e muitos processos atentivos. No capítulo seguinte, focalizamos vários aspectos da percepção.

Bibliografia:

STERNBERG, Robert J.  Psicologia Cognitiva.  Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.