Você pode ter achado difícil a tarefa
precedente, mas não impossível. O que torna difícil essa tarefa, ainda que
possível? A atenção é o fenômeno pelo qual processamos ativamente uma
quantidade limitada de informações do enorme montante de informações
disponíveis através de nossos sentidos, de nossas memórias armazenadas e de
outros processos cognitivos. Por exemplo, apesar de lhe ser disponível a
lembrança de onde dormia quando tinha 10 anos de idade, provavelmente não
processou, muitas vezes, essa informação ativamente. De maneira semelhante,
você geralmente dispõe de uma abundância de informações sensoriais (p. ex., em
seu corpo e em sua visão periférica, neste preciso momento), mas presta atenção
apenas a uma quantidade limitada das informações sensoriais disponíveis em um
dado momento.
A atenção atua como um meio de
focalizar recursos mentais limitados sobre a informação e os processos
cognitivos que são mais evidentes em um dado momento.
Há muitas vantagens para a posse de
processos de atenção de alguma espécie. Tanto as pessoas leigas quanto os
psicólogos cognitivos reconhecem que existem pelo menos alguns limites aos
nossos recursos mentais e que há limites para a quantidade de informações nas
quais podemos concentrar esses recursos mentais em qualquer tempo. O fenômeno
psicológico da atenção possibilita-nos o uso criterioso de nossos limitados
recursos mentais. Obscurecendo as luzes sobre muitos estímulos externos
(sensações) e internos (pensamentos e memórias), podemos realçar os estímulos
que nos interessam. Esse foco aumentado amplia a probabilidade de que possamos
responder rápida e corretamente aos estímulos interessantes. A atenção elevada
também abre o caminho para os processos de memória, de modo que sejamos mais
capazes de evocar a informação à qual prestamos atenção do que a informação que
ignoramos.
Antigamente, os psicólogos acreditavam que
a atenção era a mesma coisa que a consciência, o fenômeno pelo qual não
apenas processamos ativamente a informação, mas também estamos conscientes
disso. Agora, entretanto, os psicólogos reconhecem que algum processamento
ativo da informação sensorial, da informação evocada e da informação cognitiva
prossegue sem nosso conhecimento consciente. Por exemplo, nesta época de sua
vida, escrever seu nome não exige qualquer conhecimento consciente e você pode
escrevê-lo enquanto envolvido conscientemente em outras atividades - embora
não, se você estiver completamente inconsciente.
Os benefícios da atenção são
particularmente evidentes quando nos referimos aos processos de atenção
consciente. Além do valor geral da atenção, a atenção consciente satisfaz
outros três objetivos: (1) monitorizar nossas interações com o ambiente,
mantendo nossa consciência de quão bem estamos nos adaptando à situação na qual
nos encontramos; (2) ligar nosso passado (memórias) e nosso presente
(sensações) para dar-nos um sentido de continuidade da experiência, que pode
até servir como a base para a identidade pessoal; e (3) controlar e planejar
nossas futuras ações, com base na informação da monitorização e das ligações
entre as memórias passadas e as sensações presentes.
FUNÇÕES DA ATENÇÃO
As quatro funções principais da atenção
são: (1) atenção seletiva, na qual escolhemos prestar atenção a alguns
estímulos e ignorar outros; (2) vigilância, na qual esperamos
atentamente detectar o aparecimento de um estímulo específico; (3) sondagem,
na qual procuramos ativamente estímulos particulares; e (4) atenção
dividida, na qual distribuímos nossos recursos de atenção disponíveis para
coordenar nosso desempenho de mais de uma tarefa ao mesmo tempo.
Essas quatro funções estão resumidas na
Tabela 3.4. Cada uma delas tem sido estudada pelos psicólogos
cognitivos, para obter uma ampla compreensão da atenção a partir de posições
vantajosas.
TABELA 3.4 As Quatro Funções Principais da Atenção
Os psicólogos cognitivos têm-se
interessado particularmente pelo estudo da atenção seletiva, da vigilância, da
sondagem e da atenção dividida.
FUNÇÃO
|
DESCRIÇAO
|
EXEMPLO
|
Atenção seletiva
|
Estamos constantemente fazendo escolhas com
relação aos estímulos aos quais prestaremos atenção e aos estímulos que
ignoraremos. Ignorando alguns estímulos ou, no mínimo, diminuindo a ênfase
sobre eles, assim focalizamos os estímulos essencialmente notáveis. O foco de
atenção concentrado em estímulos informativos específicos aumenta nossa
capacidade para manipular aqueles estímulos para outros processos cognitivos,
como a compreensão verbal ou a resolução de problemas.
|
Podemos prestar atenção à leitura de um
livro-texto ou à escuta de uma conferência, ao mesmo tempo em que ignoramos
estímulos, tais como um rádio ou um televisor próximos ou retardatários para
a conferência.
|
Vigilância e detecção de sinal
|
Em muitas ocasiões, tentamos vigilantemente
detectar se percebemos ou não um sinal, um determinado estímulo-alvo de
interesse. Através da atenção vigilante para detectar sinais, estamos primed
para agir rapidamente quando detectamos os estímulos sinais.
|
Em uma exploração submarina, podemos ficar
alertas quanto a sinais incomuns de sonar; em uma rua escura, podemos tentar
detectar cenas ou sons indesejáveis; ou após um terremoto, podemos ser
cuidadosos quanto ao cheiro de vazamento de gás ou de fumaça.
|
Sondagem
|
Freqüentemente envolvemo-nos em uma ativa
sondagem quanto a estímulos específicos.
|
Se detectamos fumaça (em conseqüência à nossa
vigilância), podemos envolver-nos em uma ativa sondagem quanto à origem da
fumaça; além disso, alguns de nós estão constantemente à procura de chaves,
de óculos escuros e de outros objetos perdidos; meu filho adolescente muitas
vezes “procura” itens perdidos no refrigerador (freqüentemente sem muito
sucesso - até que alguém os mostre a ele).
|
Atenção dividida
|
Freqüentemente, conseguimos engajar-nos em mais
de uma tarefa ao mesmo tempo e deslocamos nossos recursos de atenção para
distribuí-los prudentemente, conforme necessário.
|
Motoristas experientes podem conversar
facilmente enquanto dirigem, sob a maioria das circunstâncias, mas se outro
veículo parece estar vindo em direção ao seu carro eles rapidamente deslocam
toda a sua atenção da conversa para o ato de dirigir.
|
Atenção Seletiva
Suponha que você está em um jantar. É
decididamente seu destino estar sentado próximo a alguém que vende 110 tipos de
aspiradores de pó e descreve-lhe, em penosos detalhes, os méritos relativos de
cada tipo. Ao mesmo tempo que está falando com esse tagarela, que acontece de
estar à sua direita, você se dá conta da conversa entre dois convivas sentados
à sua esquerda. Seu diálogo é muito mais interessante, especialmente porque
contém informações picantes que você não sabia sobre um de seus conhecidos.
Você se vê tentando manter a aparência de uma conversação com o linguarudo à
sua direita, ao mesmo tempo que sintoniza o diálogo à sua esquerda. A vinheta anterior
descreve um experimento naturalista sobre seleção seletiva, que inspirou a
pesquisa de Colin Cherry (1953). Cherry referiu-se a esse fenômeno como o problema
do coquetel, baseado em sua observação de que os coquetéis frequentemente
são ambientes onde a atenção seletiva é notável, como no exemplo precedente.
Cherry não compareceu, realmente, a
inúmeros coquetéis para estudar as conversações, mas, mais exatamente, estudou
a atenção seletiva em um ambiente experimental controlado mais cuidadosamente.
Ele planejou uma tarefa conhecida como espionagem, na qual você escuta
duas mensagens diferentes e é solicitado a repetir apenas uma delas, logo que
possível, após ouvi-la. Em outras palavras, você deve seguir uma mensagem
(pense num detetive “espionando” um suspeito), mas não prestar atenção à outra.
Para algumas pessoas, ele utilizou uma apresentação biauricular (do
latim, bi-, “ambos”, -auriculare, relacionado aos ouvidos), na
qual apresentou as mesmas duas mensagens (ou, às vezes, apenas uma delas) a
ambos os ouvidos, simultaneamente. Para outra, usou uma apresentação
dicótica (do grego, dich-, “em duas partes”; -otikós, relativo
aos ouvidos), significando que apresentou uma mensagem diferente a cada ouvido.
As pessoas de Cherry acharam praticamente
impossível seguir apenas uma mensagem, durante a apresentação simultânea
biauricular de duas mensagens diferentes. Elas “espionaram” com muito mais
eficiência as mensagens diferentes em tarefas de escuta dicótica e, nessas
tarefas, seguiram de perto as mensagens com completa exatidão na maioria dos
casos. Durante a escuta dicótica, as pessoas também eram capazes de notar
variações físicas e sensoriais na mensagem ignorada, tais como quando a
mensagem mudava de tom ou a voz mudava de um locutor masculino para um feminino.
Entretanto, elas não prestavam atenção a mudanças semânticas na mensagem
ignorada, deixando de observar até quando essa mensagem mudava para o inglês ou
o alemão ou era executada de trás para diante.
Se você considera a possibilidade de estar
em um coquetel ou em um restaurante barulhento, três fatores ajudam-no a
atender seletivamente apenas à mensagem do locutor designado (ao qual você quer
escutar): (1) as características sensoriais distintivas da fala deste locutor
(p. ex., som alto vs. baixo, rapidez, ritmo), (2) intensidade do
som (sonoridade) e (3) localização da fonte sonora. Prestando atenção às
propriedades físicas da voz do locutor designado, você pode evitar ser
perturbado pelo conteúdo semântico das mensagens dos locutores não-designados
na área. Evidentemente, a intensidade sonora da mensagem-alvo também ajuda.
Além disso, provavelmente você pode usar intuitivamente uma estratégia para
localizar os sons, o que transforma uma tarefa biauricular em uma dicótica:
você se coloca em uma posição tal que um dos ouvidos fique voltado para o
locutor designado e o outro se afaste deste. (Observe que esse método não
oferece maior intensidade sonora total, pois, com um ouvido mais próximo ao
locutor, o outro está mais afastado dele. A vantagem principal é que a
diferença de volume permite-lhe localizar a fonte do som designado).
Vigilância e Detecção de Sinal
A atenção seletiva não é o único fenômeno
estudado pelos cientistas interessados na atenção. Outro fenômeno de atenção
especialmente de grande importância prática é a vigilância. A vigilância refere-se
à capacidade de uma pessoa estar presente em um campo de estimulação durante um
período prolongado, no qual ela procura detectar o aparecimento de um sinal,
um estímulo-alvo de específico interesse. Quando vigilante, a pessoa espera
atentamente detectar um estímulo-sinal que pode surgir num tempo desconhecido.
Tipicamente, a vigilância é necessária em ambientes nos quais um dado estímulo
ocorre apenas raramente, mas exige imediata atenção assim que ocorre.
Por exemplo, um salva-vidas em uma praia
movimentada tem de estar sempre vigilante. De modo semelhante, se você sempre
viajou de avião, você compreende a importância prática de que seu controlador
de tráfego aéreo seja altamente vigilante. Muitas outras ocupações exigem
vigilância, como as que envolvem alguma quantidade de sistemas de comunicações
e advertências, bem como o controle de qualidade em quase todos os ambientes.
Até o trabalho dos investigadores policiais, dos médicos e dos psicólogos
pesquisadores exige vigilância. Em cada um desses ambientes, as pessoas têm de
permanecer alertas, para detectarem o surgimento inicial de um estimulo, a
despeito dos períodos prolongados durante os quais o estímulo está ausente.
Sondagem
Enquanto a vigilância envolve passivamente
a espera de que um estímulo-sinal apareça, a sondagem envolve ativamente a
procura de um estímulo. Especificamente, a sondagem refere-se a um exame
atento do ambiente quanto a aspectos específicos — procurar algo ativamente,
embora você não esteja convicto de que isso aparecerá. Tentar localizar uma
determinada marca de cereal em uma ala abarrotada do supermercado — ou um
termo-chave específico em um livro-texto repleto — é um exemplo de sondagem. Do
mesmo modo que com a vigilância, quando estamos sondando algo, podemos
responder por meio de alarmes falsos. No caso da sondagem, estes últimos surgem
geralmente quando encontramos distraidores (estímulos não-designados que
desviam nossa atenção para longe do estímulo-alvo), no momento da procura pelo
estímulo-alvo. Por exemplo, quando sondando no supermercado, podemos ver
diversos itens distraidores que se assemelham um pouco ao item que esperamos
encontrar.
ATENÇÃO E PERCEPÇÃO
Antes de encerrar esta argumentação e começar um exame da
percepção, é útil apresentar o ponto de vista de um psicólogo cognitivo sobre
como interagem a consciência e a percepção. Anthony Marcel (1983a) propôs um
modelo para descrever como as sensações e os processos cognitivos que ocorrem
fora do nosso conhecimento consciente podem influenciar nossas percepções e
nossas cognições conscientes. Segundo Marcel, nossas representações conscientes
do que percebemos frequentemente diferem qualitativamente de nossas
representações não-conscientes dos estímulos sensoriais. Externamente ao
conhecimento consciente, tentamos continuamente compreender um fluxo constante
de informações sensoriais. Também fora do conhecimento, ocorrem hipóteses
perceptivas no tocante a como as informações sensoriais presentes correspondem
a várias características e objetos que encontramos anteriormente em nosso
ambiente. Essas hipóteses são inferências baseadas no conhecimento armazenado
na memória a longo prazo. Durante o processo de comparação, são integradas as
informações provenientes de diferentes modalidades sensoriais.
De acordo com o modelo de Marcel, uma vez
que haja uma correspondência adequada entre os dados sensoriais e as hipóteses
perceptivas quanto a várias características e a vários objetos, essa
correspondência é transmitida ao conhecimento consciente como “sendo”
características e objetos particulares. Conscientemente, conhecemos apenas os
objetos ou as características transmitidos; não temos consciência dos dados
sensoriais, das hipóteses perceptivas que não levam a uma correspondência ou
ainda dos processos que comandam a correspondência transmitida. Assim, antes de
um dado objeto ou característica ser detectado conscientemente (i. e., ser
comunicado ao conhecimento consciente pelo processo de comparação
não-consciente), teremos escolhido uma hipótese perceptiva satisfatória e
excluído várias possibilidades que comparavam menos satisfatoriamente os dados
sensoriais entrantes ao que já conhecemos ou podemos inferir.
Segundo o modelo de Marcel, os dados
sensoriais e as hipóteses perceptivas são acessíveis aos vários processos
cognitivos não-conscientes, sendo utilizados por eles, além do processo de
correspondência. Os dados sensoriais e os processos cognitivos que não atingem
a consciência ainda assim influem sobre o modo como pensamos e como realizamos
outras tarefas cognitivas. Sustenta-se amplamente que temos capacidade limitada
de atenção (p. ex., ver Norman, 1976). Conforme Marcel, conciliamos essas
limitações servindo-nos da informação e dos processos não-conscientes tanto
quanto possível, ao mesmo tempo em que limitamos a informação e o processamento
que ingressa em nosso conhecimento consciente. Deste modo, nossa capacidade
atentiva limitada não é sobrecarregada constantemente. Assim, “tentamos
compreender tantos dados quantos possíveis, em um nível mais útil”.
Por conseguinte, nossos processos atentivos estão intima-mente entrelaçados com
nossos processos perceptivos. Neste capítulo, descrevemos muitas funções e
muitos processos atentivos. No capítulo seguinte, focalizamos vários aspectos
da percepção.
Bibliografia:
STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
Nenhum comentário:
Postar um comentário